domingo, 18 de março de 2012

FALUAS DO TEJO


FALUAS DO TEJO



 

Quando do convite da Ana Terra Galeria de Arte para colaborar na organização dessa mostra vislumbramos duas importantes datas que não poderiam ser olvidadas.

A primeira, para a qual devemos entoar loas, está na persistência – em territórios pouco afeitos à cultura – desta galeria resistir e insistir em se manter como um espaço ativo que abriga um multifacetado universo, oferecendo possibilidades de deleites vários e plurais – as peça de antiquariato abrem caminho para o mais novo design de arte wear, a presença de obras clássicas possibilita diálogos com a produção contemporânea e a troca entre artistas já consolidados e em formação.

Esse perfil, por ser vário, cria conversas por vezes estranhas, por vezes mais fluídas, mas na busca pelo equilíbrio se torna uma constante que a faz se manter sempre ativa neste longo percurso que completa agora trinta anos como um dos marcos nas artes plásticas capixabas.

O segundo motivo esta relacionado com o Ano de Portugal no Brasil e de Brasil em Portugal.

Adiantando-nos aos eventos que por certo virão, pois essa comemoração terá início formal na data maior do Brasil – 07 de setembro – e se encerrará na data nacional de Portugal – 10 de junho de 2013.

O evento ora proposto certamente se constituirá numa forma de contribuir com comemorações que se revestem de grande importância: o momento de se reportar à terra-mãe, de onde herdamos nossa língua, nossa forma de ser, de amar, sofrer e criar... É hora de rever, de refletir sobre as trocas entre esses dois países e quem sabe, redesenhar e reinventar esses laços.

Iniciamos nossa contribuição pelo que nos é mais caro – a cultura , representada aqui pelas artes plásticas e literatura.

O título da mostra vem emprestado do “Madredeus”, grupo português que para além do fado tradicional tem cantado e encantado o mundo com sua forma particular de cantar seu amor por Portugal.

O termo “falua” se refere à uma antiga embarcação de boca aberta mas com popa e proa afiladas , com dois mastros e velas latinas triangulares. Foram usadas inicialmente para recreio dos reis portugueses do século XVIII, e mais tarde se popularizou, transportando pessoas e mercadorias.

O Madredeus canta as saudades que delas ficou, as lembranças de seu delicado balouçar nas marolas do Tejo, e num exercício de liberdade poética, nos apropriamos dessas ondulações como entidade feminina, a seduzir em seus passeios pelo rio. Esse elemento feminino como musa inspiradora real ou abstrata, vai tomar corpo na poesia dos poetas escolhidos como fio condutor para os trabalhos, Florbela Espanca (1894/1930) e Fernando Pessoa (1888/1935), considerados dentre os maiores poetas da língua portuguesa, que num desdobrar de vidas e personalidades criaram em verso e prosa o que foi vivido/sofrido ou sentido/sofrido.

 Essa mostra, em sua maior parte, reflete a produção advinda da UFES. Na área artística com professores e ex-alunos do Centro de Artes e na produção literária com a participação do professor Paulo Roberto Sodré, poeta pesquisador e apaixonado pela Literatura Portuguesa e Renata Bomfim, poetisa, doutoranda em Literatura Portuguesa e uma “florbeliana“ assumida e, como a organização do evento do mês de março nessa galeria, tem sempre como objeto uma exposição dedicada às mulheres, o texto neste catálogo sobre Florbela Espanca, vem, com a permissão de Fernando, ampliar a elas nossas homenagens.

Dado o mote, ficou para os artistas a tarefa prazerosa de mergulhar no universo desses poetas. Como uma música dolente, realizar um mergulho quase sem volta, pois havia aqui a necessidade de permitir encharcar-se do fel e da paixão contidos em tantos versos.

Cada um seduz com o que melhor sabe fazer, o exercício estava em criar uma amálgama entre nossas vivências e fazeres com o cantar apaixonado desses poetas. O exercício estava em inventar caminhos dos quais não temos bem o controle de seu caminhar, nem sabemos ao certo seu terminar. Como bem disse o poeta “viver não é preciso”, por certo fazer e viver na arte também não o é...



Attilio Colnago

Professor do Departamento de Artes Visuais/ CAR/ UFES

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