FALUAS DO TEJO
Quando do convite da Ana Terra
Galeria de Arte para colaborar na organização dessa mostra vislumbramos duas
importantes datas que não poderiam ser olvidadas.
A primeira, para a qual devemos
entoar loas, está na persistência – em territórios pouco afeitos à cultura –
desta galeria resistir e insistir em se manter como um espaço ativo que abriga
um multifacetado universo, oferecendo possibilidades de deleites vários e
plurais – as peça de antiquariato abrem caminho para o mais novo design de arte
wear, a presença de obras clássicas possibilita diálogos com a produção
contemporânea e a troca entre artistas já consolidados e em formação.
Esse perfil, por ser vário, cria
conversas por vezes estranhas, por vezes mais fluídas, mas na busca pelo equilíbrio
se torna uma constante que a faz se manter sempre ativa neste longo percurso
que completa agora trinta anos como um dos marcos nas artes plásticas
capixabas.
O segundo motivo esta relacionado
com o Ano de Portugal no Brasil e de Brasil em Portugal.
Adiantando-nos aos eventos que por
certo virão, pois essa comemoração terá início formal na data maior do Brasil –
07 de setembro – e se encerrará na data nacional de Portugal – 10 de junho de
2013.
O evento ora proposto certamente
se constituirá numa forma de contribuir com comemorações que se revestem de
grande importância: o momento de se reportar à terra-mãe, de onde herdamos
nossa língua, nossa forma de ser, de amar, sofrer e criar... É hora de rever,
de refletir sobre as trocas entre esses dois países e quem sabe, redesenhar e
reinventar esses laços.
Iniciamos nossa contribuição pelo
que nos é mais caro – a cultura , representada aqui pelas artes plásticas e
literatura.
O título da mostra vem emprestado
do “Madredeus”, grupo português que para além do fado tradicional tem cantado e
encantado o mundo com sua forma particular de cantar seu amor por Portugal.
O termo “falua” se refere à uma
antiga embarcação de boca aberta mas com popa e proa afiladas , com dois
mastros e velas latinas triangulares. Foram usadas inicialmente para recreio
dos reis portugueses do século XVIII, e mais tarde se popularizou,
transportando pessoas e mercadorias.
O Madredeus canta as saudades que
delas ficou, as lembranças de seu delicado balouçar nas marolas do Tejo, e num
exercício de liberdade poética, nos apropriamos dessas ondulações como entidade
feminina, a seduzir em seus passeios pelo rio. Esse elemento feminino como musa
inspiradora real ou abstrata, vai tomar corpo na poesia dos poetas escolhidos
como fio condutor para os trabalhos, Florbela Espanca (1894/1930) e Fernando
Pessoa (1888/1935), considerados dentre os maiores poetas da língua portuguesa,
que num desdobrar de vidas e personalidades criaram em verso e prosa o que foi
vivido/sofrido ou sentido/sofrido.
Essa mostra, em sua maior parte, reflete a
produção advinda da UFES. Na área artística com professores e ex-alunos do
Centro de Artes e na produção literária com a participação do professor Paulo
Roberto Sodré, poeta pesquisador e apaixonado pela Literatura Portuguesa e
Renata Bomfim, poetisa, doutoranda em Literatura Portuguesa
e uma “florbeliana“ assumida e, como a organização do evento do mês de março
nessa galeria, tem sempre como objeto uma exposição dedicada às mulheres, o
texto neste catálogo sobre Florbela Espanca, vem, com a permissão de Fernando,
ampliar a elas nossas homenagens.
Dado o mote, ficou para os
artistas a tarefa prazerosa de mergulhar no universo desses poetas. Como uma
música dolente, realizar um mergulho quase sem volta, pois havia aqui a
necessidade de permitir encharcar-se do fel e da paixão contidos em tantos
versos.
Cada um seduz com o que melhor
sabe fazer, o exercício estava em criar uma amálgama entre nossas vivências e
fazeres com o cantar apaixonado desses poetas. O exercício estava em inventar
caminhos dos quais não temos bem o controle de seu caminhar, nem sabemos ao
certo seu terminar. Como bem disse o poeta “viver não é preciso”, por certo
fazer e viver na arte também não o é...
Attilio Colnago
Professor do Departamento de Artes
Visuais/ CAR/ UFES
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